22:15h
– Doutor, vamos lá!
Não tem jeito. O agente não quer que eu durma. Vou fazer a social e assistir o forró. A super-lua acaba de nascer e apaga definitivamente as estrelas, iluminando a noite. A cuia de caxiri ficou pequena e agora me oferecem uma super-cuia, tão grande quanto a lua. O forró é ao vivo. Já não se dança mais parichara e aleluia, mas a turma não se incomoda e arrasta a chinela no malocão. A banda tem repertório variado e vem de longe: Aldeia Orinduque, fronteira com a Guyana. Depois do Teló escuto Luiz Gonzaga, Falamansa, Caxiri na Cuia e Paçoquinha de Normandia. Tem até forró engajado:
“ Cadê a mata verde?
Poluição comeu!
Cadê os peixes grandes?
Poluição comeu!
E nem o Chico Mendes, sobreviveu!”.
Ao redor do malocão crianças dormem nas redes, indiferentes ao barulho. O cheiro do caxiri se espalha, mas ninguém se preocupa, pois o perdão já foi garantido antecipadamente. A vaidade é pecado perdoado: óculos escuros, casacos, jeans e vestidos se misturam a pés descalços, chapéus de cowboy, bermudas e camisetas em total harmonia. Sem preconceito, há quem dance de mochila nas costas. O que vale é comemorar o aniversário do tuchaua, que ao menor sinal de desanimo pega o microfone e avisa:
– O pessoal veio de longe e estou pagando. Tem caxiri pra todo mundo e quero ver a festa até o dia clarear. Não quero ver ninguém sentado.
Fala isso, pega uma neta e sai rodopiando pelo salão.
Depois, para animar mais a festa, abre um pacote de chiclete e joga para o alto, fazendo a alegria da criançada que se joga no chão entre as pernas dos dançarinos.
Este post faz parte das Impressões Integrais 81