– Vamos à Guiana?
Ao escutar este convite a maior parte dos roraimenses logo pensa em compras, e nada além disso. Lethem, cidade guianense que faz fronteira com a pequena e brasileira Bonfim é conhecida por suas amplas lojas/galpões, onde você encontra os mais diversos produtos, de pneus a lanternas, de bolsas a botes infláveis.
Fora é assim… por dentro…
… repleto de artigos.
O que a maioria dos brasileiros não vê é que Lethem está muito além das compras de produtos chineses.
– Chineses não! – informa o vendedor falando português com o forte sotaque guianense. Os melhores produtos agora vem do Vietnan. Tudo “cópia original”, explica ele inocentemente. Deve ser por isso que um tênis Nke ou Daidas custam apenas R$40,00, imitando os originais Nike e Adidas.
Olha rápido… não parece Nike? Mas é Nke!
Tanto o Nke quanto o Daidas custam bem menos que um Nike ou Adidas… Com 40 reais ou 3200 dóares guianenses, é seu.
Meu filho Marcos percebe algo errado na parede repleta de mochilas e bolsas da Kipliing: – Mas estes macacos são muito feios e são todos iguais. Isso não é de verdade! – Pirataria identificada.
Marcos “de olho na pirataria”. – Esta não é Kipling!
Não acha cueca ou calcinha da cor que quer? Aqui vai achar. Com certeza!
E vale tudo: gel de massagem com cânfora vendido ao lado de óculos ray-ban. Motos misturadas a roupas, óculos para realidade virtual junto a viagra. O que quiser, tem por aqui.
Tanto as motos como os botes estão lá, no meio das roupas…
O que a maioria das pessoas não sabe é que, além do comércio, Lethem esconde algumas pérolas preciosas. As cachoeiras, como Moko-moko, necessitam de meia hora de estrada para chegar. Mas se acha que isso é andar muito, no meio da cidade cruza um rio que, na época de chuva fica cheio, com águas cristalinas.
Acabamos de passsar por ele e meu amigo Rubén, médico chileno-pernambucano, me diz:
– Altamiro, o dia está muito quente, visse! Vamos tomar um banho naquele rio.
As crianças pulando da ponte para o pequeno riacho me motivam, mas não tenho roupa de banho, nem toalha.
– Oxente! – diz Rubén – é só comprar. Não é isso que o pessoal vem fazer aqui?
Logo, com uma bermuda azul nova e toalha da Disney no ombro, nos divertimos nas águas cristalinas. Alguns brasileiros olham curiosos, pensando quem seriam os dois malucos mergulhando como as crianças. Outros ficam com inveja, mas sem coragem de aproveitar. Passa até um gringo fotografando tudo e que tira um monte de foto da gente…. e depois vai dizer que esta é uma tradição brasileira… hehehehe!
Lá no fundo uma das lojas e passando pela ponte um caminhão Bedford.
Ninguém pode dizer que eu não entrei na água
O brasileiro, infelizmente, ao viajar não quer ser viajante, quer ser apenas turista, ou seja, olhar com olhos de fora, sem aproveitar as características de cada lugar. Porque o viajante é assim: mais do que conhecer os lugares, quer conhecer como se vive, o que se come, o que se escuta, enquanto o turista busca apenas fotos e a sensação de ter ido a outro lugar. Nem um está certo, nem outro errado, mas são diferentes… Eu sou viajante.
Então, fujo dos vários restaurantes brasileiros que não oferecem nada diferente do que estou habituado e busco pelo Creole Corner, restaurante que pode oferecer sabores diferentes, com a comida típica de nosso vizinho de língua inglesa e influência hindu. Sister Betty, a proprietária, abre um sorriso enorme ao nos ver. Se balança em nossa direção, dando um abraço apertado em cada um. Betty diz em seu inglês arrastado: No food! Veio muita gente hoje. Vão ter que esperar preparar comida.
Nós esperamos. Vale a pena, pois Betty, adventista casada com um rastafári (após eu ter escrito este texto, o marido de Betty faleceu), tem o único restaurante de comida creole daqui, onde mistura temperos indianos, africanos e indígenas no delicioso frango ao curry, em diferentes tipos de arroz, carneiro ao molho e em um pão que chamo de chapati, e que ela em um inglês difícil de entender chama por outro nome.
O restaurante é decorado com grandes bolas de criança penduradas no teto. Uma televisão do tamanho do meu monitor exibe Rocky lutando contra o russo, mas não escutamos, pois músicas de flashback se alternam com ritmos locais de gosto duvidoso.
Rocky Balboa na tv – em inglês – enquanto Sister Betty prepara nosso almoço.
Tomamos cerveja local, refrigerante de banana, hortelã e “big Red” (seja lá o que for isso, é apavorante pensar que algo vermelho luminoso vai passar por dentro de mim) enquanto esperamos. Logo a vontade de ir ao banheiro chega, e vamos ao Urinal. Para os homens um cubículo aberto onde se fica de costas para as crianças brincando com uma arara e as cabras que passam entre as galinhas… Certamente o almoço de amanhã…
De barriga cheia damos uma última volta em busca de alguma promoção de última hora. A direção é lenta pelas ruas de terra esburacadas, ainda mais que aqui os carros seguem a mão inglesa, ou seja, seguimos pela esquerda, o que deixa a cabeça sempre confusa nas rotatórias, o que sempre vale algumas buzinadas dos guianenses para os brasileiros. Para complicar, os guianenses precisam de carros que “aguentem o tranco”, como os robustos caminhões Bedford, da década de 40 e 50 do século passado e que resistem fortes por aqui.
Compara o tamanho do bruto com as pessoas passando lá atrás.
Treinei meu inglês, mergulhei em águas transparentes, provei comidas diferentes e de quebra ainda fiz uma comprinha ou outra. Valeu a vinda! Valeu Lethem! Me espera que eu volto!
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Sempre gostei de fotografar. Algumas de minhas lembranças mais antigas são com menos de dez anos de idade, quando usava uma pequena Kodak Instamatic 54X, que hoje além de despertar minha memória afetiva, só teria oportunidades em um museu, com seu velho filme encartuchado. Ainda tenho hoje algumas fotos desta época, já desbotadas pelo tempo e que, se não se perderam na casa da minha mãe, eu deveria resgatar e digitalizar.
Das mais antigas que tenho, metade é de Nova Friburgo, cidade onde passávamos o Natal, fugindo do calor e onde eu me sentia mais perto de Papai Noel e do Pólo Norte. A outra metade é do Museu Nacional, onde fotografei animais empalhados, enormes esqueletos de dinossauros e raras múmias egípcias. Animais exóticos, dinossauros, múmias… o que mais uma criança pode querer? Artefatos indígenas, meteoros, roupas de esquimós, até uma cabeça encolhida por índios equatorianos… os terríveis jivagos, encolhedores de cabeça… Tudo que alimentava minha imaginação era transformado em realidade no museu.
Toda família do Rio de vez em quando aparecia por lá. Era programa para domingão: zoológico, piquenique e museu. O enorme museu já impressionava por ter sido “a casa do rei”. Assim aprendíamos história, nos encantávamos com a natureza e tínhamos a curiosidade despertada por muitos saberes.
Era assim…
Hoje… esses muitos saberes foram queimados. A múmia virou pó, os dinossauros preservados por milênios pouco mais são do que cinza… Fotografias, gravações, pesquisas, coleções de insetos, trajes indígenas, objetos andinos, egípcios… todos queimados.
Queimados pelo fogo e pela ignorância dos nossos governantes…. mas não quero falar nisso ou transformar minha saudade em um discurso político.
O incêndio do museu se espalhou por todo Rio de Janeiro e algumas labaredas se espalharam para todo país e além. Cada um de nós teve lembranças e memórias queimadas. Resta saber se alguma fênix irá renascer destas cinzas. Se teremos a resistência do meteoro bendegó, que suportou o calor da entrada da atmosfera e há 130 anos encantava cada visitante que, mais ou menos discretamente, passava a mão no único extra-terrestre que podemos conhecer.
Os dinossauros davam as boas vindas.
Cabeça encolhida dos Jivago (Equador) e roupa de festa dos Tikuna (Amazonas)
Verso do sarcófago.
Teto do palácio. Só a arquitetura já valia a visita.
Marcos (acima) e Kim (abaixo) curtindo dinos e fósseis, aprendendo com os museus.
Bom dia Altamiro. Quando visitei Roraima a convite de um amigo Suboficial da Aeronáutica, pude conhecer um pouco dessa cidade encantadora que é Boa Vista, tomei sorvete à beira do Rio Branco, fomos à feira da cidade onde se vende todos os tipos de especiarias com inúmeros tipos de pimentas que são levadas pelos indígenas. Visitamos ainda um parque aquático fora da cidade e também pudemos visitar Lethem, assim que chegamos me chamou a atenção à cúpula de uma sinagoga e o canto que ecoava por toda parte. Impressionou-me também , assim como você os grandes caminhões antigos que a primeira vista pensei serem carros militares e as peruas velhas, a mão inglesa também me causou estranheza e por sorte eu não estava dirigindo. O que ficou dessa viajem foi à vontade de lá voltar um dia. Um abraço!
Ivan, gostei de seu comentário dando também uma visão geral e falando das famosas pimentas que compõem a “damurida”.
Altamiro, gostei de seu relato fotográfico falando do outro lado de Lethem que não é só de “produtos importados”, como muitos pensam. Parabéns!