11 de março
A aldeia Manalai já está quase na fronteira com a Guyana e a Venezuela. Se o tempo está bom conseguimos ver daqui o Monte Roraima, o que não é o caso hoje. Aliás, estou nesta aldeia Ingaricó há 5 dias e não tivemos um único minuto de sol. Como estamos na serra, pouco abaixo do Monte Roraima, imaginem o frio. Tentei fotografar hoje pela manhã, mas até as aves também parecem ter se escondido da chuva, me deixando só com meus pensamentos.
Até agora estamos avaliando as crianças e colocando as vacinas em dia. A tarde iremos fazer visitas a domicílio rio abaixo em busca dos idosos e crianças de baixo peso. Tomara que a chuva passe.
Estou no barco e a chuva não dá trégua. Espero que ao menos a gente atenda muita gente. Minha capa de chuva daqui há pouco não vai agüentar mais.
O AIS Nonato se protegendo da chuva e do vento.
Já fomos a 3 malocas e as crianças já foram pesadas e estão bem. As rocas se espalham ao longo do rio e a terra parece tão fértil quanto as mães. Haja curumim por aqui.
Entro em mais uma maloca. As moradias ingaricó sao bonitas.
Estrutura de madeira coberta de barro. Teto de palha. Janelas mínimas, quadradas. Ambiente único, que é ao mesmo tempo quarto, sala e cozinha. Fogo sempre aceso. Escuridão da falta de luz que se mistura a da fuligem. Os olhos custam a se acostumar. Quando consigo ver descubro uma panela de caxiri no fogo.
Ao seu lado, deitada na rede, uma velha senhora. Os cabelos brancos e a pele enrugada sobre os ossos sugerem pelo menos um século de luta. Lúcida queixa-se apenas de dor de estômago, mas não há como restringir o consumo diário do caxiri apos 96 anos. Dona Catarina me encanta e vale toda chuva e vento que peguei no barco.
Aproveito para registrar o "ciclo" do caxiri. Os diferentes tubérculos, a prensa (tipiti), o cozimento e até o consumo. Não tive como declinar o caxiri com beiju oferecido pela filha de Dona Catarina. A mandioca-macaxeira-aipim é um fruto abençoado da terra e que sustenta muita gente, mas tem outra grande qualidade: e danado de fotogenico, em todos seus estágios.
As meninas sentam na alavanca que aperta o tipiti, fazendo espremer a mandioca. O líquido que sai é coletado, é o tucupi. O que sobra é a massa que vemos abaixo.
Hora de voltar, ainda sob chuva. A sensação de dever cumprido se mescla ao vento e a chuva. Agradeco a Deus, pois é impossivel me sentir mais vivo.
12 de março
Pela manhã nos dirigimos ao malocão para a palestra da saúde.
O AIS Alemão, de azul, falando. Ele ganhou este apelido porque era louro na infância. Ao menos é o que me contou.
Ao final, após o tuchaua agradecer fomos convidados para dançar “aleluia”. Já estávamos com fome, mas convite do dono da casa não se questiona, se cumpre. Mais uma vez tentei fotografar sem ter a necessária competência – e um gravador – para registrar este momento único. Som e dança se fundem e nos transportam a outro mundo. Aleluia. Sem dúvida nos aproximamos de Deus nestes momentos. Mas o tempo passou e após cerca de uma hora a perna pesava e a barriga roncava. Nos ofereceram damurida e caxiri. O caxiri, bebida de mandioca, estava pouco fermentada, desceu bem. Me atrevi a tentar a damurida, aquele caldo de pimenta com mais pimenta. Molhei o beiju, provei e… até agora minha boca está ardendo, e provavelmente ainda estará quando você estiver lendo este texto. As risadas das índias vendo meus olhos cheios de água só não eram maiores do que as que davam quando eu tentava dançar “aleluia” com meus dois pés esquerdos.
Aldeia Bananeira – Janeiro de 2011
Acabo de sair do avião e sou literalmente “largado” na pista. Meus anfitriões são o sol e a poeira que a aeronave espalha ao decolar. Procuro uma sombra enquanto espero os moradores da Aldeia Bananeira nos buscarem.
É a primeira vez que venho nesta comunidade e pelo sobrevôo percebi como fica longe da pista. Após quase vinte minutos chega seu Dejanir de bicicleta que me ajuda com a carga e ando cerca de meia hora até chegar a maloca onde ficarei abrigado. Há um sofá de couro legítimo, feito por lá mesmo, remédios pendurados no teto (não me perguntem por que) e frangos com “pulseiras” colorida para os donos os identificarem.
Tomo água, discretamente turva, mas deliciosamente fresca e deixo passar o café. Não preciso de mais calor. Logo ouço o barulho do avião novamente. Engulo mais água e volto a pista, já com meu boné de legionário, protetor solar e disposição. Só não imaginava que precisaria de tanta disposição. Foram caixas e caixas de material odontológico, alimentos e material de enfermagem para ser transportado, trabalho que durou quase três horas em companhia do dentista, enfermeiro, técnica e de alguns indígenas.
Quando acabamos, quase quatro da tarde, nós do primeiro vôo ainda sem comermos, não havia mais como atender ninguém. Assim o resto do dia foi para “arrumar a casa”, preparar refeição, tomar um belo e merecido banho e… descansar.
Jantamos ao entardecer, já de banho tomado. O sol se vai preguiçoso por trás das montanhas e o céu faz um degradê do azul ao negro profundo. Luzes piscam no céu e nos campos ao nosso redor. Não sei se os vaga-lumes que subiram ao céu ou as estrelas que se aproximaram de nós. Mais uma vez penso que estou próximo do paraíso.
Hoje é domingo. A noite traz um clarão maior do que o dos vaga-lumes e estrelas. Um som sobrepuja o do gerador. Pouco a pouco os indígenas se reúnem na igreja, que fica ao lado de onde dormimos. Hinos são entoados com disposição. A Serra do Sol é cristã.
Voltando para casa
O tempo está ruim, mas a viagem é tranquila. O piloto, Chaparral, último a “capotar” um avião em área indígena optou por não abastecer a aeronave para voar mais leve e mais ligeiro. “Acho que vai dar bem, tem pouca carga”, diz ele após descer da asa do avião onde foi conferir o reservatório de gasolina.
O tempo fecha aos poucos, mas só “chacoalhamos” um pouco quando saímos da serra para a região do lavrado. Boa Vista se aproxima e o tempo fecha mais. A solicitação ao pouso é realizada, mas o controle aéreo de Boa Vista nega. “Sem teto. Procure opção alternativa de pouso”.
– Que sem teto o que! – resmunga Chaparral. Ela não está aqui em cima pra ver. Esse povo é doido!
E segue ele dentro da nuvem, sem enxergar absolutamente nada por alguns minutos.
– Dá pra ver tudo, meu parceiro! – resmunga mais uma vez.
Fico com inveja de sua visão de raio-x, pois só o que vejo é um tudo branco. Céu branco, chão branco. Fico feliz pela ignorância branca que me permite não ter idéia do que está acontecendo.
Aos poucos saímos das nuvens e o mundo volta a ter cor.
– O pouso é por sua conta e risco – informa mais uma vez a base aérea de Boa Vista.
Descemos suavemente, sob chuva fina e Chaparral exulta.
– Eu disse, parceiro. Este pessoal do controle de tráfego não enxerga nada.
Abraço no coração,
Altamiro
Tá louco? Pousar no instinto? Lembro-me de uma vez que o cara ficava batendo no marcador de combustível dizendo “esse treco não funciona bem, mas sei que o combustível dá”. Tempos de atividades em garimpo lá no trabalho. Voltavam todos horrorizados.
Mas escrevo por outra coisa. É a pimenta que vc provou. qual é o tipo? Se for incomum, tem como conseguir uma semente os muda?
Abs
Mauricio
Olá!
Como foi sua viagem a India?
Cara, agora eu sei porque cai aviao…desculpa a sinceridade, mas que coisa o relato final do piloto de aviao…pela foto tambem nao vi nada, e esta estória do controle de trafego falar que “é por sua conta e risco..” Bem, vale a voz da experiencia, graças a Deus. Aliás só Deus para ajudar nestes momentos.
um abraço,
antonio celso.
sugestao, voce escreve tao bem, que deveria lançar um livro com tudo o que vivenciou e vivencia. O título e subtitulo
“Impressoes amazonicas” relatos de um médico na amazonia brasileira
Show, um dia pretendo estar porae.
Sucesso e felicidades para todos!!!
Fico encantado com o seu jeito de escrever! Muito obrigado
Ambrogio
Que FINAL!!!!!!
Você tem um riquíssimo material. dá uma bela obra.
Já pensou nisso?
Abs
MR
Meu querido Altamiro!!!
Vibro com vc em suas viagens,pela sua caridade…pela seu espírito escoteiro!!!!
te amamos
bjussss
Martha e Flavio
Oi, Altamiro,
Já voltou pro “batente”, foi?
Seus relatos são bons demais, sinto muita falta deste contato com o Planeta, atualmente ando muito pelas cidades e acompanhado.
Suas histórias me trazem um pouquinho desse refresco, a espetacular paisagem da minha janela também, mas ainda é pouco.
um abraço,
Ge
Oi querido amigo, parabéns por mais uma aventura.
Realmente somos guerreiros, qdo nos dispomos a enfrentar sol, chuva, frio para atendermos pessoas que precisam de nossa atenção.É tão gratificante.
Confeso que sinto saudades das minhas aventuras pelas aldeias. Como diz nossa amiga Arineide,” o indio faz parte de nossa vida, já estar no nosso sangue”.
Saudades amigo. Bjos pra familia feliz.
Parabéns!!
E o texto do IA 66 está ótimo. Sensacional a foto noturna e o relato da aterrisagem!
Abraços!!
marco
ADOREI A NARRATIVA COM AS FOTOS, BEM COMO A MINI-BIOGRAFIA DA D. INACIA. THANKS!
Salut,
Qdo recebo as IA viajo…é muito bom, principalmente as imagens nos remetem a esses lugares distantes de td.
Amei
Bisou bisou bisou
Noire
Valéria Araújo
OI ALTA,
e além de tudo vc virou fotográfo….
BJOS
LEANDRA
Meu Caro Amigo:
acredito que todos nós fizemos a diferença de uma maneira ou de outra, para uns ou para muitos, você faz parte do seleto grupo que deixa este mundo melhor para muitos. Parabéns pelo reconhecimento. O “mundo” te conhece agora, nós que temos o privilégio de te conhecer pessoalmente e temos orgulho de sermos chamados de teu amigo estamos felizes com você.
Um beijo, Tere
Grande Altamiro
eu tbém estou aqui nesta selva ….de pedra e extremamente capitalista q me suga a vida e me expõe a perigos inimaginaveis, piores que cobras,chuva céu fechado.
falta de estrtura etc etc.
Masas fazer o que cada um dono do seu destino, gostei muito dessa sua materia não esqueça dos amigos
abç
Wallace
Olá Altamiro, amei essa última notícia, as fotos estão lindas demais.
Vc está de parabéns pelo seu dedicado trabalho, gosto muito…
Não deixe de dá notícias, hein?!
Abraços…
“Que o Senhor Jesus te ilumine por onde vc for.”
Amigo, bom dia.
Meu Deus ! Como você é corajoso, não ? E vivencia mesmo a Promessa Escoteira “ Ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião”, até de risco…
Parabéns ! Está na hora de sair o livro…nem pense que esqueci…risos.
Também parabenizo a Enfermeira Inácia, vocês são 10.
Abração
Edna
Maninho… obrigado por me dar a oportunidade de fazer estas viagens antropológicas com você !
Inigualáveis.
Jorge Pinheiro
Muito obrigada por esse momento.
Que maneiro, já voltou da Índia?
Charles de Sirovy
AGORA SIM RECEBI…. kkkkkk
vc esta melhor que o FOREST GUMP (acho q é assim que se escreve kkkk…) as suas histórias estão cada vez melhor, parabéns!!!
amei a foto do céu estrelado, aquele fundo da maloca ficou perfeito.
bjos… e sucesso
Leda
Oi Altamiro… adorei! muita aventura mesmo,não é? tudo bem? aqui tudo nos conformes. Saudades de voce, um sobrinho muito querido. Um beijo carnhoso, tia Isolda
Altamiro,
chegou à terrinha!!!
Grata por nos fazer viajar com você 🙂
poeta heim, meu?
Abraços,
Raquel*
27o. GE Amazonas
PARA VARIAR BARBARA ESSA HISTORIA DA UMA VONTADE IMENSA DE VIVER ISSO AI ….E ESSAS FOTOS QUE TUDO!!!
PARABENS!!!!
BJO E TENHA UM OTIMO FINAL DE SEMANA
ANDREA
Muito bom marido!
Esse eu ainda não tinha lido… vc se supera a cada dia!
Lídia Pantoja
Quando eu crescer…quero ser igual a vc…
bjs e parabens….
Ester
Olá Altamiro! Suas ‘impressões 66′ estão de emocionar! Parece q sua vida é aventura, deleite e uma porrada de amor p/ dar. V é invejável.
Um grande abraço e parabéns pelo seu trabalho – embora isso seja mto pouco é tudo q temos em nossa língua. Talvez os indígenas, mesmo c/ seu vocabulário restrito, tenham algo melhor p/ essa ocasião.
Grande abraço – Edson
Eu pensando que vc ainda está na Índia… e vc de volta comos índios!
E suas histórias emocinantes, coloridas… de dar nó na garganta da gente…
E de quebra a Inácia, cuidando amorosamente e mudando a realidade de gente tão distante…
Vcs fazem tanto bem a esta gente… e pra gente daqui também…mostrando a verdadeira fraternidade!
Fui viajando com vc, pena que as fotos não puderam ser vistas.
Obrigada por vc existir, brasileiros como vc éque fazem sentido na vida !
Beijão,
Angelita
Altamiro,
Parabéns! Os seus textos são ótimos, informativos e divertidos, tanto em Português quanto, agora, em Inglês!
Congratulations!
Estêvão
Oi Altamiro
parabéns pela história de Inácia, que mereceu realmente ser premiada.
Também senti um frio na barriga com a sua chegada em Boa Vista, e ainda bem que você estava voltando do paraíso, pois só assim talvez não se importasse de quase voltar para ele (literalmente).
Como sempre, é ótimo ouvir suas histórias… gostaria muito de um dia ainda te visitar e acompanhar em uma dessas viagens… matar as saudades do velho Projeto Rondon.
Acabei de assinar mais uma vez uma petição contra a construção de Belo Monte, sem conhecer profundamente o assunto, mas com a sensação que é muito pouco que podemos fazer pela preservação desta maravilha chamada Amazônia.
Um grande beijo,
Regina
Parabéns pelo feito.
Vai chegar o dia de vc organizar um livro e ficar no rol de nomes como T. Koch-Grümberg e do Levy Strauss.
Olha a responsa.
Carlos Moura
Amigo Miro,
Mais uma vez parabens pelo trabalho, enviando esses emails vc só me deixa com mais vontade de trabalhar ai com vcs e com nossos irmãos indigenas.
abs
Padilha
Oi Tatá…a quanto tempo hein? Mas vc sabe como são as coisas, um dia é isto, no outro, aquilo e quando vemos meses já se passaram antes de dar de novo notícias. Guardo todos os seus emails numa pasta pra quando eu quero me sentir próxima do paraíso.
Te agradeço a cada palavra que leio e que me transporta pra lugares que acho, jamais conhecerei.
Um abração.
Dianne
AMEI !!!
Querido Altamiro
Acabei agora mesmo de ler e ver as fotos das últimas Impressões Amazónicas e me veio o impulso de te mandar “PARABÉNS”!
És um VALENTÃO, Fotógrafo, POETA, e mais…e mais…e mais…e um homem de Deus!
Sinto-me orgulhosa de ter um sobrinho assim.
Que Deus te abençõe e te proteja, bem como a toda a equipa que trabalha contigo e abençõe também todá a população indígena
que ides tratando e curando com tanto respeito e carinho.
Beijos da tia Cau
Fala, Alta! Cara, vc tem que enviar para um concurso a foto do entardecer e do ceu estrelado nesta aldeia em que vc estava. Não lembro de ter visto fotos tão bonitas. Céu estrelado para mim então,é sempre mágico. E em qualquer lugar aí onde vc está, (sem nuvens e sem fumaça de queimadas) com certeza as estrelas não terão competidores e poderão brilhar à vontade. Nesta viagem à Portugal, na Serra da Estrela tive o privilégio de poder ficar admirando o céu e suas luzes, conseguindo identificar com facilidade a ursa maior, lembrando do desenho que BP. fez no Escotismo paa Rapazes.
Rudi
Altamiro
Reinclua-me na lista