Estar no Ceará e não se fartar de comer não é o mesmo que não estar ao Ceará. No litoral o prato imperdível é o caranguejo “toc-toc”, cujo dia, já institucionalizado, é a quinta-feira. Não tem idade, sexo ou classe social – todo mundo se reúne ao redor da panela onde boia a refeição, já temperada. Toc, toc fazem os martelinhos que quebram os caranguejos. Chupamos perninhas, patinhas e abrimos a casca, que é comida com farinha e temperada com molho e pimenta. E prepare-se, pois não há como não sair lambuzado, melecado e satisfeito.
Quem não quer se aventurar pelo sertão, mas quer sentir seus sabores, tem uma alternativa em plena Fortaleza: Arre Égua! Restaurante pro almoço e casa noturna a noite, é o local certo para escutar – e dançar – forró pé de serra e fotografar ambientes recriados como os típicos do interior: a casa da luz vermelha, a barbearia, a bodega, o botequim, a capela e a pensão. No cardápio buchada de carneiro, feijão verde, baião de dois, baião com nata, paçoca de carne, manteiga de garrafa, panelada, guisado de carneiro, rabada e língua. Para a sobremesa doce de jaca, cocada de forno e cartola – banana com canela e queijo coalho. Saí de lá abestado, encantado com os vridinhos da janela (tem que ir para ver!). Peguei o beco avexado e me mandei para a praia. Ah!! E se acha que meu português está errado, lembre-se que é “vridinho” mesmo, e nunca “vidrinho”!
Assim é a decoração do restaurante. Estas fotos são lá dentro do Arre Égua.
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Vou falar das praias, mas vai ser bem ligeirinho. O Ceará tem ótimas praias. Agitação, gente bonita, forró, caranguejo, lagosta, passeio de buggy e jangada, pousadinhas, camarões, luas e estrelas nas falésias, garrafas de areia pintada, dunas e voos sobre o mar. Gostoso. Maravilhoso. Imperdível. Infelizmente as mais badaladas – Futuro – em Fortaleza, Morro Branco, Canoa Quebrada, Cumbuco, Icaraí – se tornaram praias genéricas e globalizadas. Então tanto faz estar ali, Porto de Galinhas, Porto Seguro, Ilhabela ou Búzios. As belezas de confundem com o “de-sempre”. Não deixei de dar, meu mergulho, de escorregar na duna ou me deliciar com o sabor dos camarões fresquinhos, mas prefiro buscar – e contar – outros caminhos, aqueles que você não encontra nas revistas de turismo.
Canoa Quebrada. Estive aqui pela primeira vez em 85… quanta diferença!
O símbolo de Canoa Quebrada, a lua e a estrela.
Criatividade local na fonte de água.
E eu me divertindo… Ninguém é de ferro!
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SERTÃO
O sol queima minha pele. Cerro meus olhos e sinto minha boca seca. Andar no sertão não é de foram alguma confortável, mas é uma experiência única. Espinhos, farpas, espetos, carrapichos. Chame como quiser, eles estão lá, desafiando seus jeans, ferindo os joelhos. Subitamente compreendo porque o sertanejo vivia de armadura – couro: única proteção contra os açoites da natureza. Estou no sertão do Ceará, terra de valentes que ousaram desafiar o clima, a distância e a natureza para construir lugares que aprenderam a chamar de lar. Quixeramobim, Juazeiro, Ibaretama, Banabuiú, Quixadá. Em cada destas cidades o homem ousou contrariar os desígnios de Deus e construiu casas, vilas e cidades.
Só com roupa de couro o sertanejo enfrentava todos estes espinhos.
Imagine viver aqui… sem ar condicionado.
O maior desafio – mais terrível que espinhos ou cangaceiros – foi aprender a viver sem água.
Hoje muitas casas têm cisternas com um sistema que permite máximo aproveitamento da água da chuva, que chega de repente e de um dia para outra transforma a paisagem, de cinza-queimado em verde-vida.
Cada casa uma cisterna.
No passado grandes projetos juntavam águas em imensos açudes. De tão importantes e celebrados em prosa e verso de cordel, muitos se tornaram míticos, a fantasia superando a realidade. Assim são Orós, na região de Igatu, e Cedro, em Quixadá, este último construído a mando do Imperador Pedro II. Obra imperial, de primeira, com engenharia inglesa e construção avançada para a época, que trouxe a vitória definitiva do homem sobre o sertão. O tamanho e a boniteza me impressionam quando percorro a sua parede principal. Me transporto no tempo e mergulho em paz e tranquilidade. O vento percorre as águas e chega até mim quebrando o silêncio e aliviando o calor.
Açude do Cedro. Ao fundo a Pedra da Galinha Choca, que foi destaque em filme dos Trapalhões.
Ao meu redor, gigantes de pedra testemunham meu caminhar. Elefantes, tatus e uma enorme galinha brotam do solo e ganham os céus. Elas se espalham por Quixadá e enfeitam a paisagem para onde quer que se olhe. Nos lembram como somos pequenos, ainda que por vezes consigamos vencer a natureza, como ocorre no açude. Mera ilusão, pois sou interrompido pelo meu amigo Rocélio, que me fala num sussurro.
– Bonito, não? Imagine isso seco. Quando eu vi, chorei, pois não conseguia acreditar que toda esta água um dia poderia acabar.
Barragem do Cedro, bem abaixo de seu limite de águas, como pode-se ver na foto abaixo.
Açude seco é açude sem vida. A vitória sobre a natureza nem sempre é definitiva. Se a chuva tarda muito, o sol seca as tetas das cabras e esturrica toda planta verdosa que insista em nascer, e a gente do sertão perde. Hoje, depois da globalização e da onipresença da antena parabólica, o prefeito grita: “estado de calamidade pública” – e o governo manda dinheiro, carro-pipa, vale-todotipodecoisa. No passado havia uma transformação: o sertanejo virava retirante. Para o norte foram os soldados da borracha. Para o sul os paus-de-arara. Para Brasília os candangos. Os que ficaram tiveram como companhia: a fome, a miséria e as cruzes. Para conciliar-se com Deus, afrontado com a ousadia sertaneja, cria-se igrejas, paga-se penitência, organiza-se uma procissão, tentando um meio-termo que permita a vivência.
Santuário de Nossa Senhora Imaculada
foto:http://blog.opovo.com.br/
foto:http://blog.opovo.com.br/
foto: http://paroquiamissionaria.blogspot.com.br/
Ainda em Quixadá, no alto de uma imensa rocha, descubro um santuário construído no alto de um dos gigantes de pedra, onde Nossa Senhora Imaculada é a Rainha do Sertão. De forma simbólica e concreta o homem se aproxima dos céus. A procissão, se arrastando feito cobra pelo chão (obrigado por essa Gil) leva romeiros a enfrentar poeira, sol e uma pirambeira sem fim em busca da proteção divina. Dos céus, espera-se chuva e busca-se Deus.
Espero que possam encontrar. E que cada um de nós possa também.
Fiquem em Deus,
Altamiro
Muito feliz pelas impressões sertanejas e saber que fizemos parte desta aventura!!Altamiro,seu trabalho é show!!